sábado, 23 de julho de 2011

"A responsabilidade é nossa" (Gazeta On-Line 16/04/2011)

Vítima de abuso sexual na infância, a administradora Odívia Barros se tornou escritora de livros infantis para proteger a filha, de cinco anos, de possíveis investidas de outros pedófilos. Em Segredo Segredíssimo, a história curta e os desenhos cheios de significados mostram às crianças verdades difíceis para maioria dos pais abordar: a de que os pedófilos podem estar em qualquer lugar - até mesmo dentro de casa - e de que é preciso denunciar quando alguém quer "fazer brincadeira de adulto". "É difícil falar sobre o assunto sem assustar as crianças. Queria um livro que me ajudasse a abordar isso. Como ele não existia, resolvi escrever um", conta Odívia.

Leia o primeiro capítulo de Segredo, Segredíssimo

Como proteger seu filho


Por que escrever um livro sobre abuso para crianças?
O livro é sobre como evitar ou sair de uma situação de abuso. Eu sofri abuso sexual na infância e tinha uma grande preocupação em proteger a minha filha para que ela não passasse por isso. Mas como falar de um assunto tão difícil com uma criança de apenas 5 anos? Não sabia se ela iria entender o que eu estava tentando ensinar. E nem o que eu poderia dizer à minha filha tão pequena que a ajudasse caso ela vivenciasse uma abordagem de um abusador. Todas essas dúvidas me angustiavam. Comecei a estudar o papel dos contos, das histórias e dos mitos. Foi assim que aprendi que as histórias são bálsamos medicinais. Elas revelam sábias instruções a respeito da vida e têm uma força incrível! Num conto de fadas, por exemplo, os processos interiores são exteriorizados e se tornam mais compreensíveis pela forma como são representados pelas personagens e acontecimentos da história.

Gostaria que você falasse mais da sua experiência pessoal...
Infelizmente, não tive uma orientação adequada sobre o assunto. Meus pais sempre foram muito cuidadosos e me ensinaram o que nós, adultos, costumamos ensinar aos nossos filhos: não falar com estranhos, por exemplo. Mas como podemos esperar que uma criança se defenda de algo que fingimos não existir? Como uma criança pequena pode imaginar que uma pessoa da família ou um amigo que frequenta sua casa vai fazer mal a ela? É responsabilidade dos adultos proteger as crianças. É responsabilidade dos adultos mostrar que o perigo existe e que é possível se defender revelando o ocorrido. E quanto mais cedo a criança reconhece e revela o perigo, mais tempo temos de agir e impedir que ela passe por uma situação que vai marcá-la pelo resto da vida. Comigo aconteceu como acontece em 90% dos casos: envolvendo familiares.

Como os pais podem fazer esse alerta sem assustar?
Não queria que minha filha ficasse com medo dos adultos em geral e dos parentes e amigos em particular. Por isso acredito que a literatura adequada é uma grande arma. Quando ouvimos uma história, de certa forma vivenciamos a experiência. Sofremos quando a heroína se defronta com os perigos e ficamos felizes quando ela consegue achar uma saída. Para a criança, será apenas mais uma história entre tantas que elas conhecem. Mas se algum dia elas precisarem, já terão o conhecimento necessário para evitar ou sair de uma situação de abuso. É claro que o fato de a criança ter esse conhecimento não garante que ela vá usá-lo, mas ela vai ter essa chance. E há quatro passos básicos que uma criança deve estar pronta para dar.

Quais são?
Primeiro, é preciso reconhecer a aproximação inapropriada do adulto. Depois, resistir a induções, ou seja, aprender a dizer "não". Em terceiro, reagir rapidamente para sair da situação. E, por último, contar para alguém sobre o ocorrido. E são os pais que devem dizer ás crianças que isso precisa ser feito. No livro, tudo é apresentado de uma forma lúdica, adequada para o mundo infantil.

Por que é tão difícil para a vítima denunciar o abuso?
Porque ninguém avisa à criança que isso pode acontecer. Ela não se sente à vontade para compartilhar o ocorrido com um adulto. No livro eu mostro, pela reação da mãe da personagem abusada, que a criança deve ser acolhida e acalentada ao revelar o segredo, e não repreendida. Se a criança aprende que será compreendida e confortada, ela se sente mais à vontade para relatar qualquer tentativa de abuso. Do jeito que fazemos até agora, sem falar sobre isso, ela fica ainda mais temerosa por não saber qual será a nossa reação. Ela não revela o segredo por medo da perda do amor, da perda da consideração e do carinho da família. E o abusador a faz acreditar nisso. Por isso é tão importante que as crianças saibam, desde cedo, que serão protegidas e não repreendidas ou condenadas.

Como identificar um possível abusador?
Do jeito que tratamos, parece que os pedófilos são seres diferentes, mas eles podem ser qualquer pessoa. Essa mitificação só favorece os abusadores. Eles têm família, amigos, trabalho... Enfim, são pessoas tão "normais" quanto qualquer um de nós. Um pedófilo não precisa sentir atração só por crianças. Entender isso é importante para evitar mais casos.

No livro, você usa o conhecimento prévio das crianças sobre sexo para abordar o tema. Como saber até que ponto ir?
O livro está indicado para crianças de 5 anos ou mais. Criei o Jogo das Perguntas, com cinco perguntinhas que mostram o que a criança entendeu. Uma das perguntas é: "Dê exemplo de brincadeira de adulto". As crianças de 5 anos geralmente repetem o exemplo que cito no livro, o beijo na boca. Algumas crianças de 9 anos já respondem "sexo" diretamente. Então, é importante que não forneçamos informações para elas, e sim que trabalhemos com o repertório que cada faixa etária tem. Daí a importância desse tema ser trabalhado dentro da sala de aula.

Qual o papel da escola nessa questão?
É essencial que esse tema seja abordado nas escolas e que os professores sejam capacitados. Especialistas avaliam que, a partir dos 5 anos, já é possível orientar a criança sobre a abordagem sexual imprópria por parte de adultos. A escola é o local ideal para detectar o abuso, pelo tempo que as crianças passam lá, interagindo. É imprescindível colocar o tema dentro das salas de aula, nos anos iniciais do ensino fundamental. Ou fazemos isso ou os abusadores continuarão chegando primeiro.

Como as políticas públicas podem ajudar?
A conscientização da população sobre as consequências a curto e longo prazos decorrentes do abuso é importante. Assim como disponibilizar serviços de apoio psicológico aos adultos que se declarem vítimas de abuso. Avançamos bastante, mas ainda há muito a fazer.


Perfil

História - Odívia Barros nasceu em Santaluz, interior da Bahia, em 1977. Sofreu abuso sexual na infância e a partir da necessidade de orientar a sua filha pequena, com 5 anos na época, decidiu escrever um livro infantil que orientasse as crianças a evitar ou sair de uma situação de abuso.

Atuação - Usa as redes sociais para conscientizar a sociedade sobre o grave problema do abuso sexual e da pedofilia. Dá palestras em escolas e empresas sobre o uso da literatura no combate ao abuso sexual infantil. Dá treinamento para educadores e outros profissionais interessados no tema. É formada em Administração e atualmente faz Formação Profissional em Terapia Holística Transpessoal no Grupo Ômega em Salvador.

Livro - Segredo Segredíssimo, publicado pela Geração Editorial, é o primeiro título infantil a abordar a questão da pedofilia no Brasil. Ilustrado por Thais Linhares, o volume combina texto e imagens direcionados às crianças de forma leve, mas com seriedade.

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